Plain Packaging: uma nova tendência para a propriedade industrial do século XXI?

Muito tem se falado sobre “plain packaging” nos últimos anos. Na esteira de medidas de vários países sobre o tema, a Resolução 84 da Associação Brasileira da Propriedade Industrial – ABPI decidiu em 2014 repudiar veementemente a adoção, no Brasil, deste instituto. Mas o que seria o tal Plain Packaging?

Em uma visão geral, o “plain packaging” reflete-se na imposição, por um Estado, da obrigação de um determinado setor da indústria em respeitar um formato genérico de embalagem, sem cores, logotipos, imagens ou marcas comerciais (e que, de preferência, contenha avisos significativos ao consumidor sobre o impacto negativo do consumo de determinado produto na sua saúde), normalmente com a finalidade de reduzir o consumo de determinado produto ou tirar-lhes o incentivo.

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Exemplo de aplicação do Plain Packaging: produto original ao lado da nova embalagem genérica

Não é surpresa que os primeiros casos e aqueles de maior destaque no mundo hoje são os da indústria de tabaco. Há anos os Estados convivem com o alto custo à saúde pública que o consumo desses produtos têm acarretado, a longo prazo, nos seus cidadãos. Mesmo com altos impostos, as medidas estatais ampliaram-se com leis que limitam o consumo do tabaco em espaços públicos. Finalmente, esta tendência chegou também à propriedade industrial.

O caso de maior destaque atualmente – e que causou maior repercussão mundial – foi o da multinacional Philip Morris contra o Uruguai, em sede de arbitragem internacional. Foi o primeiro caso, envolvendo Plain Packaging, de uma empresa acionando um Estado soberano pelas medidas deste último contra sua liberdade de usar suas marcas.

Não obstante, não foi o primeiro caso. Em 1º de Dezembro de 2011, a Austrália adotava o Tabacco Plain Packaging Act, que limitaria o formato de embalagem dos cigarros. As embalagens passariam a ser genéricas, sem cores, logotipos, imagens ou marcas comerciais, indicando-se a marca somente através de fonte, tamanho e cores pré-estabelecidos. Todos os concorrentes seriam iguais.

O apelo comercial ao cigarro chegava ao derradeiro fim. Sabemos que há uma tendência de associarmos às ações de marketing ao aumento do consumo de determinados produtos. Mas o que, então, teria acontecido na Austrália após o Tabacco Plain Packaging Act?

O consumo de tabaco estava em declínio na Austrália há anos – seja por políticas de conscientização governamentais, seja por própria mudança cultural. Esta é uma tendência mundial em países desenvolvidos. Surpreendentemente, a adoção do Plain Packaging na Austrália não acarretou qualquer consequência significativa neste gráfico – o declínio continuou sua gradual e natural descida, ao contrário do que se esperava.

Mas, o que é relevante notar é que a adoção de uma embalagem genérica retirou o diferencial de mercado das marcas para os consumidores, talvez em semelhança ao que ocorria nos sistemas socialistas do século XX. Sem uma concorrência livre, o resultado no mercado Australiano foi devastador: subiu significativamente o consumo das marcas mais baratas e caiu o consumo dos produtos da categoria premium.

Ou seja: a medida que teria a finalidade primária de defender o consumidor final, afastando-o do consumo, na verdade serviu tão somente para grosseiramente equalizar o mercado, prejudicando os comerciantes que haviam investido anos na criação de produtos aprimorados. Sem ações de marketing e sem o diferencial das embalagens para lembrar aos consumidores porque consumiam produtos melhorados, o apelo se foi, e com ele também o consumo nessas marcas.

Este resultado não foi alardeado e, sendo assim, o Plain Packaging continuou sendo tendência. A União Européia  demonstrou, através da Diretiva 2014/40/EU, a determinação para tornar o Plain Packaging uma realidade naquele continente. Outros países – entre eles o Brasil (com destaque para o Projeto de Lei do Senado n° 103/2014), já se movimentam também nesta direção.

E, diante de todo este movimento, é preciso que nos questionemos o impacto que tal intervenção estatal pode trazer sobre a violação de direitos de propriedade industrial – sim, porque o uso da marca e a liberdade de concorrência são também preceitos constitucionais brasileiros e que também estariam sendo violados.

Mais do que isso: se é razoável que se realize tal intervenção no setor de tabaco, seria também razoável que algo parecido ocorra em outros setores, tal como o de bebidas alcoólicas ou alimentos? Poderão usar os Estados argumentos semelhantes de prejuízo à saúde pública, para limitar outras indústrias e, em última instância, retirar do consumidor suas escolhas?

por Leonardo Ignatiuk Pessanha

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